terça-feira, 7 de setembro de 2010

Estranhezas

Por Silvia Badim/Gaia
Desenho de Ana Vasconcellos

Emergiram estranhos sentimentos quando, enfim, abriu as comportas. Ela recolheu o sangue, e as tristezas tomaram-lhe os braços por dias e dias. O choro junto à garganta. Recolhido próximo, prestes a saltar-lhe pelas amídalas. Águas fluidas, que a lembravam da fluidez da própria vida.

Era um tempo duro. Seco. De esperanças em preto-carvão. Tempo de se viver no escuro, corrompida de certezas. O acaso havia lhe pregado peças de desconcerto. Assombros, dilaceramentos de limites, paixões que voavam para longe. Estranhezas de intensidades. Desconfortos de encantamentos. Estava rendida em falta de controle. Queria agarra-se no que sabia certo, mas os galhos eram feitos de limo. Verdes escorregadios. Machucavam-lhe as mãos com aspereza liquida.  

Estava exposta, havia encontrado femininos que lhe faziam sentido. Pela primeira vez em tempo consciente, acessou um feminino que não lhe afugentava de si mesma. Sentia com sorrisos as entranhas e úteros que geravam vida-vivida. Que lançavam ao ar a força de se gerar amor de cumplicidades. De cuidados e compreensões. Sentiu amor pelo igual, sem reservas de sentimentos.

Abriu os poros. A experiência do feminino podia ser sentida na pele. E ela não tinha mais medo. O feminino era sublime. Sublimou-se. Tocou em si mesma, mulher rosa de fragilidades escondidas. Fragilidades que ousaram respirar o dia lá fora, desavergonhadas. Eram tão suas! Tão feitas de sutilezas incomunicáveis. E reluziam, imensas, no dia de luz branca a ofuscar-lhe a visão.

A tristeza pungente fazia-se alegre quando tocava o ar. Alegre-triste. Em paradoxos companheiros. Ela sentia o ímpeto de sair correndo. De desbravar o cerrado em galopes, de fugir consigo para bem longe. Acasalar-se livremente para esquecer a dor. Perder-se em rostos sem importância. Esconder-se em tocas, hibernar até mudar a estação. Até chegarem as chuvas que lavariam os vestígios. Que trariam o alento da umidade. Que enxaguariam por completo a angustia da transição. 

Mas só lhe restava esperar pela chuva em céu aberto. Chuva que chegaria sem hora marcada. Sem controle de tempo. Domou a metade cavalo. Era tempo de fincar-se até o fim dos ciclos. De frente àquilo que lhe despertava a voracidade do afugentamento. Fincou-se no chão da casa da montanha. Eram ela e os sentimentos sem-nome. Os desafios da horizontalidade. Os deslumbramentos que lhe rasgavam em dualidades. As questões do amor. As questões da dor. As questões que jamais saberia explicar com voz de razão. As questões de menina de pai e mãe.

O inconsciente.

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