sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Febres fundantes

Por Silvia Badim/Gaia
Desenho de Ana Vasconcellos

Ardeu em febre.

Os tempos recentes a dominaram pelo quente que emanava de seu interior. Um quente devastador, que a queimava com a mesma intensidade do sol de setembro na seca do oeste. Um quente que veio para dissipar o que sobrou teimoso. Torrar em nuvens cinzas alguma coisa secreta, que ela guardava com teimosia de apego. Seu ego alerta foi desmantelado pela força da natureza. Natureza que ela guardava em si, a misturar-se com a imensidão dos rios e ventos que cantavam a poeira vermelha por entre os dias. 

Ela se deitou sobre a terra, estirada imóvel como a pedra que lhe deitava vizinha. Queimou-se. Seu corpo sucumbiu à esfera de calor. Às profundezas quentes que lhe alteravam a consciência com tons e ruídos distintos. Ela era pulso, era vento soprando com voracidade, força disforme lançada como furacão. Vivia a sua tempestade de sol.

Em seus delírios febris ela lambia com sede a água do rio. Aproximava-se em mergulhos fundos, até perder o ar. Até tocar o lodo do fundo do rio. Lodo espesso e denso, que lhe adentrava os dedos a causar-lhe sensações de arrepios. Os arrepios da febre. Os arrepios de pisar a areia submersa, fixa embaixo dos seus tantos líquidos interiores, a suportar toda a impermanência de suas intensidades. 

Lodo matéria – prima. Podia senti-lo embaixo das cobertas durante a noite. O seu cheiro forte, a sua textura estranha, seu fermento de vida que junta tudo, todos os elementos, tudo o que já foi e o que ainda será. Matéria morta a gerar matéria viva. Abrigo de útero a impulsionar novas formas e novos respiros. Matéria de si própria.

Quando a febre cessou, ela respirou suave. Molhada pelo próprio suor, fertilizada pela própria tempestade interior. Plantou sementes na terra colhida. E elas hão de desabrochar com o chegar das chuvas.
Algum dia.

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