segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Paradoxos fálicos

Por Silvia Badim/Gaia
Desenho de Ana Vasconcellos


Ouviu dizer que ela era uma mulher fálica.

Ouviu e refletiu a respeito do falo que impostoramente carregava por entre os anos. Falo emprestado de algum lugar do passado, que se acoplou ao meio de suas pernas como parte membro. Que lhe acompanhava a trajetória desde seus primeiros passos sozinha pelo mundo.

Quando saiu da casa de domínio materno, decidiu não mais precisar. Decidiu entrar na briga, de igual para igual, bater no peito como mulher dona de si. Mulher que gritava a situação que se apresentasse, boa ou ruim, de sorrisos ou dores. Mulher de equivalências que não se intimidam. Que não se acovardam diante das brutalidades. Que não confiam em abrigos fáceis. 

Ela preferia sair em disparada. Colocar as luvas e seguir em frente, cuidando para não deixar a maquiagem borrar de vermelho sangue. Camuflou as lágrimas. Os ciclos viscerais de feminilidade não lhe dominavam. Ela os entupia com artificialidades do mundo moderno - bendita ciência de hormônios e de pretenso controle. Guardou sua feminilidade cor-de-rosa para qualquer hora de depois. Estufou o peito com o falo ereto. Foi. 

E, num susto, viu um filho homem brotar de dentro de si. A força da natureza é uma incógnita que não se decifra. Tampouco se controla. Apenas se sente, devastadoramente. Curvou-se. Um pequeno falo saiu de seu ventre, pela força de suas pernas e braços, a pedir-lhe colo e a devorar-lhe seios – em busca do alimento vital que deles jorrava como um rio que corre. O rio da vida. E neste fluxo acalentou o pequeno masculino com o mais profundo amor que se permitiu tocar. Um amor para além de si, que tomou o mundo com personalidade própria.

Pariu. Viu seu corpo mudar sem trégua. Sentiu as profundezas da natureza feminina. Sentiu-se viva e próspera. Mulher. Quase frágil diante dos assombros que vivenciava sem domínio da razão.  

Mas o falo continuava ereto.  A lembrar-lhe dos espinhos na planta do pé. A cuidar-lhe das fragilidades que ela, sem querer, soltou ao vento. O masculino ainda causava-lhe sensações de afugentamento. E ela não sabia por quê. Sabia apenas que não conseguia arrancar o falo emprestado. Ele estava preso a pele, a misturar-se com as suas estranhezas de ser mulher.  Não sabia se deixar cuidar, no momento em que mais precisava de cuidado. Não sabia controlar o feminino que pulsava de dentro de si. Perdia-se em atos bruscos, em brigas inventadas, no próprio mistério de ser ela.

Rompeu em paradoxos. Masculino- feminino. Tudo era ela.

Pensou de novo: tudo era de fato muito estranho.

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