quinta-feira, 10 de março de 2011

(Im) Permanências

Por Silvia Badim/Gaia
Imagem de Ana Vasconcellos


Ela coçava os dedos.

A impaciência lhe tomava de assalto, de repente, em situações diversas. Ela sentia as pernas moverem-se inquietas, vibrando sua autonomia. O corpo falava por seus códigos cifrados, revelando que, por dentro, havia movimento de mar. Mar revolto.

Sentia a força da maré, e seus passos aceleravam-se. Ela corria em silêncio, em percursos que só ela conseguia enxergar. Percursos de vento, que a balançavam de um lado para outro da cadeira.

Queria domar-se, amansar os galopes que pulsavam no peito. Apertar as rédeas, e acalmar o cavalo que corria solto pelos arredores. Por vezes amarrava-se ao pé da mesa. As cordas firmes na mesa de madeira, fazendo barulhos de estacas no chão.

Ela queria fincar-se. Aprender a existir em pausas e concretudes. Ser vento que sopra manso nas planícies vastas. Mas ela era arrebatada pela sua força impermanente. Quase refém. Um calor lhe subia pelas ventas, derrubando muros e movendo-lhe para longe de si mesma. E ela corria, sem saber direito aonde chegaria com as pernas apressadas.

Ela ia. O percurso ia se abrindo sem planejamento prévio. Sem certezas e sem afirmações. Sem rotas planejadas, e caminhos definidos. Ela seguia o corredor livre, o acesso rápido, o ser ela que exigia descolamento de tudo que lhe atava os braços. Que exigia gás de quem quer chegar à frente. De que mesmo? Pensou com o impacto do estômago, que lhe falava em líquidos não digeridos.  

Ela remava, cansada.  Os braços duros em pedras. Lutando em inimigos ocultos. Fugia, será? Ela também não sabia. Não gostava de ver o escuro que lhe cercava o pensamento. E assim seguia, atropelando-se para poder andar em linha reta. Ansiando por algo que nunca chegava inteiro. Por ela que nunca se apresentava inteira.

Conseguiu, por um momento, contemplar seus desacertos de ansiedade. De longe ela se olhava de assalto. Conseguia ver-se. Ela era miragem disforme. Fitava o espelho e enxergava-se dispersa, em fragmentos que queriam unir-se na mesma imagem, bem ali, à sua frente.

Ela lhes perseguia com os olhos. Um tão diferente do outro um. Pedaços tão escorregadios. Tão assustados. Pedaços fincados com raízes tão sólidas no chão. Pedaços que, enfim, eram dela, em toda sua dimensão não dimensionada.

Deu seus passos em direção ao espelho. O peito apertado de pensar nos vazios sem asas. O coração acelerado pelo ritmo que precisava desacelerar. Ela toda que precisava unir-se em sonhos de pés no chão. Em sonhos calmos de leveza de se chegar sem pressa. De construir seus próprios abrigos de ventanias, sua casa que não mudaria com a próxima estação do ano.

Juntou as mãos em prece. A cabeça colada no chão, sentindo a vibração do último furação que rodopiou seus dias.

Pediu proteção de casa grande.

Axé.

Um comentário:

  1. Axe, querida! Lindo texto. Coloco minhas mãos também em prece para os terremotos internos e externos.

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