sexta-feira, 25 de março de 2011

Elementais





Por Gaia
Desenho de Ana Vasconcellos


Ela era feita de terra. E de fogo.


Seus dois elementos vitais. Seus dois elementos de personalidade. Tinha um pé em cada um deles. Um tão distinto do outro, com naturezas que se afugentavam ao tocarem-se, de repente, nas pernas que se entrelaçavam em faíscas.  

Forças densas que a atiravam em movimentos diversos, movidos ora pelas necessidades de solo, ora pelas necessidades de chamas. Ora pela ousadia de se querer fogo que varre os arredores, sem começo nem fim. Ora pela audácia de se querer terra fixa, imóvel, que solidifica as impermanências. Terra vermelha maciça, que aterra as chamas em carvão.

Sentia queimar-se. Os elementais de fogo eram seus motores, que nunca encontravam a 
medida certa para desbravarem a selva de possibilidades. Eram o norte de seus anseios de brasa acesa. Eram sempre mais, sempre além, sempre transeuntes das bordas do imaginário.

E o fogo alastrava-se, incontrolável. Prepotente, sapiente. Voraz. Fazia filhos de labaredas, muitas delas, que propagavam seu pensar que não aceitava limites. Seu pensar a liberdade de se fazer grande. Suas vultuosidades de amor e dor. De brigas e justiças. De não aceitar as amarras do mundo de cordas nos pés.  

Mas ele não era capaz de derreter a terra, sua espinha dorsal. Ela estava lá, rígida, sobrevivendo a todas as tempestades de calor. Firmava-se como elemento estruturante, que continha o incêndio de chamas negras.

Terra viva de miudezas. Que evitava que o fogo se espalhasse pela mata, e queimasse seus pensamentos em nuvens suspensas. Era a barreira de racionalidade que se continha, que a continha, que amparava a explosão que não explodia.

A briga era boa. Briga de gigantes interiores. De seus elementais tão dominantes, e tão estruturantes. Uma mistura que não se misturava, e a fazia andar adiante. Ela era forçada a olhar seus paradoxos. As suas contradições de pólos opostos. Suas intensidades de terra e fogo.

Estirava-se.   

Desejava sedenta o alento da umidade. Água boa que salivava do céu. Ar leve que voava do peito.  Mas o caminho era quente e úmido de terra próspera. Terra que chupava a água para as profundezas. Fogo que consumia o ar em densidade gasosa. E ela seguia com botas grossas e braços de fora. Asas abertas sob a terra firme.

Metade touro, metade cavalo alado. Metade permanente, metade impermanente. Um tanto de galopes perdidos, de caminhos desviados, de desvarios de sonhos acordados. Outros tantos de chifres fincados no chão de terra.

Ela toda, bicho-mulher de veias abertas. 

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