quarta-feira, 30 de março de 2011

Sobre silêncios e despedidas

Sobre silêncios e despedidas
Ou  “Compreender o emudecer-se do silêncio na saída”.
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Por Silvia Badim/Gaia 
Pintura de Ana Vasconcellos

A saída sempre se faz só. E em silêncio.

As mãos se soltam, e a cabeça acomoda-se no vazio. As pernas soltas, o frio pelo corpo. Sem casaco nem coberta, os braços abertos e o peito nu. Os seios arrepiados, a pele arredia, e tudo preenchido por dentro.

A vigília cansada e a tristeza de adeuses. A alegria de sentir o pulsar dos sentimentos, e a sensação de ter chegado perto. De ter mergulhado e ainda estar nua sem toalha sentindo o frio da volta.  

É preciso acolher-se quente e grande para abraçar o susto. 
(Talvez o amor nasça do susto).

As despedidas são momentos bruscos. Momentos em que desaba a ilusão de não ser só. Em que a imperfeição do amor mostra-se com todos os seus sorrisos mal entendidos. Em que nos vemos figuras frágeis, franzinas e dispersas frente à perplexidade de nossas pequenas mortes.

Perplexidade de nossos eternos renascimentos em diferentes instâncias de nós mesmos. E essa não é uma figura fácil. Causa-nos repulsa o dorso negro do vazio, a dor de deixar ir o que já se esvai.

E deixar ir é deixar fluir o curso da vida. É aceitar que somos transitórios, em momentos de curtos respiros de tempo presente.

É cantar um canto triste que nasce do silêncio.

Despedir-se é enfrentar o breu da noite. É ser criança no quarto escuro, com os mistérios da morte a desafiar os pensamentos. Sensação de não entender a própria vida que se tem. Certa solidão incomunicável, e invisível. Que se espalha pelos arredores e se deita na cama ao lado, companheira.    

Despedir-se é despir-se.

São tantas camadas e tecidos que se acoplam aos quadris, que parece que estar nua é estar faltante a todo tempo. Mas é preciso coragem para a verdade despida, o ir sem vícios de ficar pela metade.

 Será que a verdade é difícil de falar porque há risco? Se há risco há medo, e tudo bem ter medo? Vou acreditando que as respostas são sopros generosos de lua cheia. Acalentos de paz sem entendimentos.
(O amor é sublime para nos perdoar dos medos).

Despedir-se é lembrar-se da completude finita. É ver escorrer a areia por entre os dedos. Observar impotente a ampulheta soprar os grãos para o outro lado da vasilha.

É querer ter garras para segurar o que não se tem. Jogar-se em queda livre, epifania sem lastro, conto sem ponto. Uma e outra lágrima de rios interiores, que não param de correr em direção ao mar.

Despedir-se é breve, e é eterno. Plenitude fluída de existir compartilhado, e completamente só. Caminhar com a bagagem extraviada, e com tudo amontoado dentro do peito.

Despedir-se é ter coragem de amor. 

2 comentários:

  1. "Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim: que seja doce. Quando há sol, e esse sol bate na minha cara amassada do sono ou da insônia, contemplando as partículas de poeira soltas no ar, feito um pequeno universo, repito sete vezes para dar sorte: que seja doce que seja doce que seja doce e assim por diante." Caio Fernando Abreu acaba de me contar o desfecho que queria para esse texto...

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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