quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Homem das Sombras

Por Kali
Imagem de Ana Vasconcellos




Ela brincava pelo jardim. Subia em árvores de vestido, girava a saia na melodia inaudível. Ela era o universo em sua dança infantil. Bebia água e derramava sob o peito que se arrepiava pelo frio da ventania. E corria sentindo as folhas a esfregarem-se sobre seu corpo, as gotas de chuva a arrepiar a existência.

Ao longe um estranho desconhecido, atrás da sombra de uma árvore, devorava uma maçã e a inocência de menina, sugando sua  leveza para dentro de seu falo. Ele queria penetrar o corpo para  da alma roubar o perfume que ela exalava.

Quando os olhos se encontraram, percebeu-se desnuda. Correu para o quarto para procurar um vestido e com tanto medo das sombras trancafiou-se no armário. E lá dentro com as tintas de sua imaginação, pintou a floresta, as folhas, o tesão, sem reproduzir o estranho das sombras.

Em total escuridão, devorando uma maçã, ainda sim conseguia fazer a luz e por ela ver as sombras refletidas atrás da macieira. Sonhava com a cobra a dançar em suas intimidades e o dente do veneno a perfurar-lhe a carne. Às vezes acariciava-se desejando com desdém aquele obscuro sentimento que a atraia e repudiava com mesma força.

Um dia teve coragem. Abriu o armário e percebeu que não mais enxergava. Por não ver precisava experimentar todo mundo através dos outros sentidos. Cheirava, lambia e esfrega-se em todo caminho.

Até que sua língua provou o amargo gosto do desejo. Macio e suculento como um morango maduro. Colocou para dentro, um depois do outro, até sua carne explodir em pedaços. Seu sangue de tinta colorida com bruxas, fadas, gurus e anjos escorriam por todo lado.

Ela se fragmentara em todas as sombras e luzes que a habitava. Até que recuperou sua inocência perdida e nos olhos da sombra fundia-se em luz.

Alguém segurou no colo a menina. Acariciando sua face e cantando a doce melodia - Está tudo bem. Ela não enxergava e falava um dialeto estelar que pedia para ser devolvida ao mundo das tintas. Ela precisava bailar novamente e ver a beleza da vida.

Ele deitou-a na cama, acariciando seu corpo inteiro. Ela sentiu o cheiro do desejo. Com medo e movimento procurou o falo que a violaria. Encontrou uma flor macia que curou sua ferida.

Cheirou, lambeu esfregou-se até que as sombras se tatuaram em sua pele como obras de arte que chamamos de cicatrizes.

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