quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Sede

Texto escrito a quatro mãos
Por Silvia Badim e T. Cora. 
Ilustração de Ana Vasconcellos





Aquilo que não sabemos nos protege. O instante delicioso e cheio de pergunta. Será? Reticência leve seguida de um sim-mergulho.Um sim-vôo. Um sim-abrir-se, estar no colo. A leveza tranqüila de brincar com segredos, medos e desejos preservados.

Um sim que sorri e nos conta que não há pouso seguro. Um sim-vento, que sopra sem bússolas ou rotas programadas. Um sim vivo que se delicia com as possibilidades. Abrigo sem teto, horizonte aberto de quem ganha as estrelas.  

E se o mar fosse um colo? Eu quero o mar. Inteiro para nadar toda na falta de margem e beira. Solta em flutuação florescente de quase noite. Algas que resplandecem sob a lua cheia. Eu quero a lua imensa e amarela, a me contar segredos de luz sobre as águas escuras. Boiar no fluxo das correntezas sem bater os braços e as pernas, sentindo o gozo fértil de estar permeada de mar. 

O desejo mordido com a língua salgada. Vivo por entre os dentes, saliva quente com gosto de mais. Permitir-se ser só desejo. Poder ser movimento sem palavras. Desejo vivo e vivido em ondas de mar. Diante do mar não tem palavra. Diante do mar só tem mergulho e pele arrepiada, em poros abertos para que o vem.  

Eu quero o colo  inteiro. Ser minuscula em sua boca grande e dormir sentindo pulsar o peito. As mãos firmes em minhas costas, selar o espaço quase inexistente de não sermos nunca a mesma pessoa. Rir do descompasso de ser, das diferenças humanas de quem é. E tudo só um encontro em que não se precise de mais nada.

Só as águas fartas e o céu em constelação silenciosa. O tudo que se esconde onde nada se diz, a contemplação muda da força. O corpo saciado  a vontade renascida do fluxo branco das espumas. Não há mais palavra porque tudo meu está nos olhos. Num além daqui aqui mesmo. E qualquer outro lugar onde se esqueça a morte. Onde a gente se lembre muito pouco de tudo antes, e traga junto toda qualidade de segredos engendrados nos músculos, seios e ossos. E nada que seja minha dor se despeje, nada que seja meu desamparo se espalhe. Só a pele macia tocada em dança ágil, onde toda dor vira perfume . 

Estou nua e o que não sabemos nos protege. O abismo tem poesia e só venta por que derramei toda previsibilidade. Então vem, brinca comigo de ser o mar que talvez chova. Que talvez vente e faça sol quente de arder as vísceras. Que talvez da terra fecundada nasçam flores vermelhas para enfeitar nossos cabelos. Que talvez apareçam pássaros nos nossos ombros que cantem belas cantigas. E que a gente esteja e seja até quando ventar e existir sede. 

Um comentário:

  1. Can i use your illustration for a free song i made ? i can add your name.Thanks

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