sábado, 28 de agosto de 2010

Habitante do Quarto Misterioso


 
Por Kali
Desenho de Ana Vasconcellos

Faz tempo, muito tempo que a aprisionei nos labirintos da minha psique. Ela sempre fora demasiadamente descontrolada com sua boca sedenta e seu cheiro de sexo. Prendi sim, tinha medo. Um medo de me prender, de ser conduzida por Kali nas armadilhas do imponderável. Ele gritava, gemia. Por vezes fui até seu pequeno quarto pedir para que me cantasse canções para eu me inspirar. Mas sua voz, doçura e força me seduziam a tal ponto que eu sentia vontade de soltá-la para ver o que ia dar. Mas tinha medo. Um medo de que ela me matasse, comesse minha carne racional e eu vivesse em seu mundo surreal.


Algumas vezes entrei no quarto com ela, tomando todo cuidado para que não fugisse ou pudesse cometer alguma atrocidade com minha vida controlada. Às vezes ela era uma menina mimada que fazia birra e dava vontade de dar os seios que ela nunca bebeu para que pudesse sentir o amor que lhe faltava.

Noutras era tão sedutora com suas formas avolumadas, seus gestos sem pudor que despertava vontade de consumi-la em cada pequeno detalhe celular.

Mas sempre, Kali, causara-me medo. Foi um dia, há muito tempo que eu a libertei. Sem perceber peguei sua roupa e vesti e ela me possuiu. Fechei-me no banheiro com medo daquilo que eu via: eu era mulher. Eu era ela, com aquela meia arrastão, as pernas firmes e grossas, o penacho de puta francesa na cabeça. Eu era ela e nunca percebi. Escondia-me em ações e vestimentas infantis. Mas eu era ela, indubitavelmente ela.

Lá fora alguém gritava:

- Vem, só falta você.

Mas eu me procurava naquela fantasia e não me encontrava. Quando entrei sendo ela naquela sala, que tantas vezes me escondi, todos me olharam como se finalmente eu fosse eu. Era irresistível não perceber a fêmea que eu tentava aprisionar.

Fui convidada a ir a frente e rebolar. Mostrar minhas curvas. Senti medo de soltá-la daquela forma. O eu faria com seu desejo de devorar almas e carnes humanas? O que faria com sua fúria de ter sido aprisionada por tantas décadas?

E antes que pudesse declinar a ordem, ela estava lá, rebolando para lua, com suas formas femininas insanas. E ela delirava ao ver o desejo pulsante nos olhos de homens e mulheres. Ela rebolava no silêncio profano. Ela se esfregava em si mesma, se tocando, pela primeira vez, sem controle, sem razão.

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