quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Latejada

Por Renata Penna e Silvia Badim
Foto montagem de Ana Vasconcellos




Essa foi então a minha procura, eu fiquei buscando uma palavra – uma palavra perfeita para te dizer baixinho no meio da madrugada quando não houvesse mais ninguém, naquela hora silenciosa quando lá fora só existisse mesmo paradeza e escuridão, e então eu pudesse dizer sem descuido e ainda cultivando um fiapo de esperança e quem sabe até mesmo amor, quem sabe. E essa palavra escondida eu busquei com um quase desespero e por todos os lugares, eu busquei nas nossas noites de conversa e lua cheia e gargalhada até nascer o sol, eu busquei nos nossos abraços apertados sentindo a respiração, eu busquei nas tuas mãos bagunçando os meus cabelos cacheados e nas minhas mãos contornando divertidas o teu rosto tão cheio de sorriso, eu busquei nas nossas tardes de lago e pôr-do-sol, de cafés e andanças sem rumo, eu busquei até mesmo nos teus bilhetes apressados e nas minhas cartas intermináveis dizendo tudo sem dizer coisa nenhuma, eu busquei – acredita em mim, eu busquei até onde não sabia que se podia chegar sem morrer um bocado, eu busquei. Fiquei achando que ali residia a solução, e que então seria tudo definitivo, que então a gente encontraria a resposta e a cura e o respiro que andava querendo tanto, mas no fim das contas. Continuou tudo como estava, do mesmo jeito, e no fim do dia ainda doía tanto.

Doía sem remédio, e então eu andei. Andei por léguas sem pausas, por caminhos longos e tortuosos que me contavam segredos sobre os meus mergulhos, e sobre os nossos mergulhos em universos divididos. Por desvios que me contavam dessas dores brotadas das escolhas de quem vive assim, com o coração na ponta dos dedos. Foi então que eu soube, eu soube como uma luz que desce e aquece o peito. Uma verdade silenciosa, um sopro generoso, um sussurro de consolo. Eu não sei viver pouco, ou sentir pouco. Querer pouco. Preciso da entrega sem reservas, das profundezas, daquele espaço partilhado que a gente não revela ao mundo lá fora.  Gosto de adentrar o que encontro nesse mundo onde as sensações me dominam. Quase um vício que aprendo a conviver com. Foi então que eu soube que é preciso colher as dores que vem junto com o que ele me traz de bom, os tombos duros e grandes de quem vive à beira de. Eu aprendi, e eu acolho.  E sorrio ao pensar que eles valem à pena, porque decorrem dos momentos em que eu pude sentir de novo, e com isso deixar a vida se espalhar densa por onde corre o rio que vai dar no mar. Sim, eu preciso das águas fartas. 

Eu andei tanto, por tantas voltas, e de novo cheguei até você. Depois de ter percorrido outras paragens, de ter me embriagado por noites claras e cheias, de ter me perdido por rostos desconhecidos, eu entendo. Entendo que você topou ir comigo lá no fundo, que você topou, que você prendeu a respiração e foi comigo até o fundo do mar. Que você estava lá e eu te via. Que eu tinha medo de sair desse lugar, que eu tinha medo de você ir embora quando partiu para sua jornada longínqua. Depois de ter desculpado o destino, de ter te olhado tanto e de novo, eu volto para esse buraco vazio onde estão os sentimentos que você guardou, onde estão os meus sentimentos agigantados pelo tempo, onde moram os nossos sentires sem rumo e que respiram sem ar.

Volto para esse mesmo lugar onde eu não encontro a palavra que lateja, onde eu ainda estou nua com as mãos enlaçadas às suas. Volto para dizer que aprendi a deixar doer, e que as dores são adubo para os novos tempos. E esses novos tempos nascem do que eu fui nas noites brancas de lua que dividimos arrepiadas. Assim, sem mais, eles nascem, e você nasce de novo, a cada dia, latejada. E eu não tenho mais medo. 

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