terça-feira, 2 de agosto de 2011

Pequenas aberturas



Por Silvia Badim/Gaia
Desenho de Ana Vasconcellos 


Ela não sabia muito bem como havia se dado o partir. De repente, como num susto, ela já havia ido. 


Não conseguia explicar em que momento partira-se, esparramando seus pequenos pedaços pelos tantos anos de existência conjunta. Não havia sobrado nada de pé, em que pudesse se firmar para o seguir dos dias. Ela estava ida, com os rastros da sua presença rarefeita a habitar a casa comum.  A casa esvaziada, com as molduras preenchidas pelo vazio dos tempos futuros. 

Ela partira assim, sem aviso, como um vaso adornado que se quebra em pedaços coloridos, empurrado da estante pelo sopro dos ventos. A janela, por descuido, estava aberta. E o acaso pode varrer as certezas que ela não sabia mais se tinha. 

Despida de certezas e em pedaços que não mais se juntavam, ela se foi. Ainda confusa com o sentir-se tão só e tão povoada de si. Ainda com frio pelo vento gelado que inundou-lhe o corpo, atônita por não saber mais onde era o chão. O vento-furação veio sem pedir licença. Ou talvez tivesse pedido, baixinho, em língua estranha, suplicando-lhe o movimento. Ela também era filha dos ventos. 

Gostava de sentir o vento bater no seu rosto, e de saber-se portadora de asas inventadas capazes de levá-la a céus imensos. Fazia tempo que não ventava. Ela havido se encolhido, no conforto quente das janelas fechadas. Ali, carangueja, na concha emprestada, guardada dos arroubos de suas asas. 

Mas, em um gesto impensado, ela tirou as travas e o vento inundou a janela - a grande janela da sala da qual via o jardim vivo.  

Ventou, e ela abriu-se para receber os ventos. Sua saia voava, e ela espalhava-se pelo ar leve do dia de sol. 

Rodopio, vento-arrepio. Ela também estava viva. 

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