sexta-feira, 22 de julho de 2011

Sem muros





Por Silvia Badim
Desenho de Ana Vasconcellos


Em algum lugar eu desejei que parasse de doer. 
E foi aos poucos que eu me aproximei da dor, olhando de frente para o seu semblante distorcido. 
Foi com coragem pequena e medo grande, pisando leve para não acordar os monstros, e correr para longe do susto. 
Eu não queria mais que doesse sem remédio.

O sangue quente e o cavalo inquieto dentro do peito. Não havia meios de acalmar o cavalo, que relinchava pulando sobre si mesmo. Então abri o coração para arejar o sangue que fervia. Com uma dose a mais de coragem, para enxergar as minhas próprias faltas. 
Ferveu, e eu acalmei. Ventou um vento bom que acalentou a alma incandescente. 

Acalmei o cavalo e abracei os arejados espaços vazios, que sopraram uma música doce que me fez dançar madrugada adentro. 
Coloquei um vestido longo, com flores vermelhas, e dancei o vazio, com sua melodia suave e seus acordes cheios de voz. O cheiro de alecrim perfumou a noite. O meu vazio, as minhas faltas, as minhas vontades. Tudo vivo e tudo tão meu. Eu não tenho mais medo da dor. 

Respirei as contrações, em seu pulso ritmado. O parto pode, afinal, ser uma experiência de prazer. Mas para isso é preciso se entregar para o fluxo da natureza. Sinto o fluxo percorrer meu corpo, e não mais controlo. Apenas sinto, livre das minhas próprias armadilhas. 

Dói, e a dor faz parte. E eu a enxergo agora com mais nitidez. Dói o gozo profundo da própria vida. Dói o amor, o nascer, a morte. E assim sendo, eu quero também a dor. Quero viver a vida pequena e frágil, com seus revezes e experiências de prazer.  Como pode não doer? Aceito.

E deixo fluir. Posso nadar na correnteza sem bater os braços e as pernas em sentido contrário. Sem medo de sucumbir à força das águas, que correm sempre sem dizer para onde vão. Não quero mais a racionalidade autoritária e tirana de mim mesma. Finalmente, eu enxergo. E posso me deixar levar pelo que não conheço. Pode doer, que a dor passa. Só a dor vivida é adubo para os novos tempos. 

As piores prisões, realmente, são as que não têm muros. E eu quero a minha liberdade vigiada, por mim mesma. Com dores e amores bem vividos. 

Corre cavalo, corre sem muros invisíveis. 

Axé. 

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