segunda-feira, 6 de junho de 2011

Para além das reticências





Por Silvia Badim/Gaia
Desenho de Ana Vasconcellos


Calou-se num silêncio quase ardido.

As palavras duras iam ecoando por dentro, reverberando em diferentes sílabas.  Quase muda, ela sentia o vento soprando com a dureza das palavras. Não havia muito que fazer, a não ser sentar e contemplar a dor espetada em tônica silente.

Ela contemplava. Quando o céu se abria em tons rosados, ela sentia que era hora de acolher a verdade crua de ser quem se é, mesmo que ainda não soubesse ao certo quem era. A verdade nua de sangue vermelho, que nunca mais poderia ser escondida com roupas coloridas. Que nunca mais caberia contida dentro de si.

Os ecos iam lhe dando pistas de sentires camuflados. E ela não sabia, não conseguia mais vestir o que já era. Nada mais cabia. Caminhava desencontrada, como nunca dantes havia ousado caminhar. Tão só, e tão estranhamente desconhecida.

Ela andava sem rumo nos descansos das tardes longas. Entre uma página e outra, uma xícara de café quente e um soluço, saia descalça 
sentindo a grama que já ia se fazendo rarefeita, na proximidade do ciclo das secas.

Nada pior do que a espera de uma passagem. Nada pior do que se sentir imóvel entre dois muros, que ainda não estão prontos para serem escalados. Do que estar de mãos atadas com a boca seca, cheia de sede de mergulho.

Ela sabia que logo secaria por completo, desapegando-se das ilusões das águas fartas. Que logo deixaria fluir e estaria enxuta, sem mais nada para ser consumido pela angústia de querer reter o liquido interior, que já vazava por todos os poros.

Ela choraria, sim, ela choraria. Tanto que não haveria mais nada para pingar de seus olhos fundos. Ela estaria rasa. Queimando em sua nudez branca, com o coração batendo na garganta. Pronta para ser fecundada por novas e desconhecidas águas. Pronta para ser reinventada em seu vermelho vivo.

Esvaziaria, por completo.

Já era hora de escrever algo para além das reticências. Um ponto final, um travessão, algo que sintetizasse este capítulo aberto. Uma exclamação, talvez, de surpresa e de susto por tudo que deixou sair. Por ela nova e seca, diante do espanto.

Acolheria até as interrogações, e os nãos que porventura aparecessem nas novas sentenças. Só não conseguia mais viver com as reticências. Com tudo que poderia ser, mas nunca é. Com tudo que nunca chegava. Que nunca era desenhado na folha branca. Que lhe tirava o ar, e não colocava nada de volta.

Já era hora da história ganhar um desfecho, fosse ele qual fosse. Fosse sol, fosse lua, força ou calmaria. Fosse nada, ou fosse vida.

Mas que fosse, enfim. 

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