sexta-feira, 19 de novembro de 2010

De quedas e vazios

Por Silvia Badim/Gaia
Desenho de Ana Vasconcellos



Ela estava partida.

Enfim, havia chegado o momento. Ela se aproximou lentamente do abismo, e pisou o vazio do chão sem lastro. Um único passo, certeiro e fatal, que a sugou para dentro da queda. Um único segundo e ela estava lá, inteira, deslizando pelo vazio sem começo nem fim. Distante das bandeiras que marcavam o caminho de volta. 

Arrepiou-se - em poros abertos. O vento lhe beijava os cabelos, e ela caia. Escorregava as mãos pelo limo verde, e sentia o ar frio adentrar-lhe as entranhas. Ainda tonta pela vertigem da queda. Ainda perdida pelo buraco que lhe comia a consciência. 

Percorria-lhe o corpo apenas a leveza dos pés descalços. A densidade da matéria solta no ar. O medo de não saber onde alcançaria o chão novamente. Tudo era novo. Tudo escuro, resplandecendo em novas possibilidades de si mesma. 

Era hora de deixar sair o que escondia dentro do casulo. De se desapegar do que era só dela, perdido em pensamentos de labirinto. Dos segredos que murmuravam em suas veias, e feriam-lhe o coração assustado. O medo era gelado.

Era hora de abrir as suas asas de borboletas, e plainar sobre a imensidão disforme que lhe aparecia diante dos olhos. Amenizar a queda com as asas abertas. Saborear o desconcerto com gosto de liberdade.

Mas ela só conseguia arranhar as unhas no verde escorregadio. Ainda presa pela sensação de pertencer à terra firme. Sentia-se flutuar, e sorria da sua fluidez dispersa. Perplexa pela grandeza de não saber. O coração batendo na boca. A voz rouca engolindo sílabas de ar. A saliva concentrada na língua perdida por entre os dentes.

A vida em tons de cinza. Nem cá, nem lá.
Corpo de nuvens.

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