sábado, 6 de novembro de 2010

Vertigens

Por Gaia
Desenho de Ana Vasconcellos

Quando se aproximou do abismo, sentiu a vertigem tomar-lhe o corpo. Aquela tontura costumeira, o formigamento quase elétrico, o frio a lhe percorrer a espinha. Estava à beira de, pairando sobre o precipício de si mesma. Tudo amplo e vasto, disforme, sem começo nem fim. Ela sentou-se na ponta do grande penhasco, devastada pela sensação de dormência e medo do limite em que podia fincar seus pés no chão.

Tudo teve início quando ela resolveu entrar naquele buraco fosco. Desbravar o mato que cobria a entrada, tomar banho de cachoeira de inundar-lhe o ventre. Dar o passo em direção ao caminho de nuvens que jamais ousara adentrar. E agora ela estava lá dentro. Tomada pelo impulso inevitável de apenas seguir. Seguir aquilo que se é. Tudo era urgente, tudo era mais. Era hora da travessia, e ela sabia que precisava enfrentar suas tempestades. Sozinha.

Ela sentia o vento que soprava no escuro. A sensação de vertigem era companheira de longa data. Alimentava-a dentro de si, desde que se lembrava caminhar com as próprias pernas. A sensação de quase ir. De tocar e recuar. De sentir o impulso de pular, mas agarrar-se ao chão conhecido que lhe esquentava os pés. De contentar-se com sentir intenso que nunca vai. Viciou-se, adicta ao formigamento sem nome. Viva presa e viva solta.

Amarrou uma corda aos pés para não ir longe. Para ter certeza de que sempre se lembraria do caminho de volta. Mas naquele dia, sentada à beira do precipício, sentiu pela primeira vez a vontade desmedida de cortar a corda. De se deixar ir, de romper o ciclo vertiginoso do quase. De pular e esquecer o caminho de volta.

Era preciso confiar. E ela ainda era menina desconfiada. Vencia-se um pouco a cada dia, ouvindo o vento forte lhe contar sobre o fluxo da vida. O fluxo de si própria, que se esticava e enfrentava a corda que já mostrava sinais de esgarçamento.

Namorava o escuro com vontade de queda. Queda livre.

Nenhum comentário:

Postar um comentário