quarta-feira, 16 de maio de 2012

Rastros do Vento


Por: Kali

Estava fria aquela noite em que sentava na frente do fogo para ver as salamandras a bailar. Resolvi tentar entrar para que o calor não se dissipasse com os ventos das dúvidas que baderolavam meus alicerces.

O fogo bailava dentro e fora de mim, como um sopro que faz flamejar as chamas. Eu tentei fugir. Ensinaram-me a ser assim: seguir pela estrada onde não passa o lobo mau, obedecendo a voz feminina da certeza estabelecida.

Eu estava com minha cesta de doces, comendo um a um os desejos diante da floresta escura ouvindo ao longe o uivo do vento. O fogo bailava dentro e fora de mim e eu já não conseguia ouvir nada além do pululante som das brasas carmins que saltavam em cada célula minha desejante pelo caminho escuro e sombrio daquilo que chamam tropeço.

Senti medo do vento. Ele parece ser incontrolável e penetra pela fresta da dúvida. Abri uma janela, mas ele escancarou as portas. Tirei a roupa e com a pele eriçada pelo frio e pelo medo, com os mamilos endurecidos pelo desejo, deixei que o vento penetrasse em cada parte de minha alma. Varreu minhas insanidades, papéis amarelados e o cheiro de água represada. Incendiou a fogueira e desapareceu deixando um rastro de lembranças e aroma de novidade.

As velhas roupas mofadas queimaram-se nas labaredas. Corri pelas planícies nos dias frios e chuvosos, nua, a procura do vento. O suor do rosto escorrendo pelo corpo molhado e quente, como a língua dentro da boca e nos lábios das intimidades.

O vento a penetrar-me muitas vezes serpenteando em todo o meu corpo. Meus pés cansados e acelerados para  não perder a sensação na estrada. O vento, a estrada, o calor, a língua e as passadas orquestradas pelo som da respiração ofegante mesclados com sons antigos vindos de Avalon.

As brumas desceram e fizeram as luzes dos postes parecerem ouriços de luz. O coração pulsante, o sangue por toda a parte, as pernas cansadas e o vento a reger a velocidade da busca.

Por fora uma leveza como quem estica as asas para voar nos redemoinhos de ar. Por dentro um calor, energia transbordante a lançar-me diariamente para estrada tentando buscar novamente o sonho do vento.

O vento faze-me brilhar e dançar como brasas tocadas pelo sopro.E tudo que eu quero é um pouco mais de vento em minhas chamas.