Por Silvia Badim e Kiara Terra
Se a vida toda coubesse em palavras eu
escreveria. Sem preguiça cada letra. Frases inteiras, sentenças
feitas, espaços vazios preservados. Nelas o intervalo entre nossos olhos. Se
coubesse, se fosse o suficiente, eu teria feito. Mas não. A vida escapou-me do
controle. A dança enlaçou-me a cintura, fluindo em seu ritmo intenso, requebrando
e levando-me para além de mim. Um sol bonito ensurdeceu meus ouvidos, e
encharcou minhas mãos. Tomou pra si minha boca e meu pensamento e, ao invés de
escrever, eu vivi. Sem vírgula, cada momento. Vida enchente, vida humana do
aqui-e-agora. Vida corredeira, que me surpreende a cada passo em que não penso,
e não escrevo. Em que simplesmente sinto, com todos os sentidos despertos para
o que corre em sangue e vísceras, em realidades que me escapam às palavras.
A vida me ocupa de viver.
Aconteceu e não me lembro
quando. Um arrebate sem tempo. Um vento que me levou sem que
eu pudesse entender o que me levava. Foi então que eu senti, com o peito aquecido pela luz: sem tocar o chão não há como escrever. Sem pisar
a terra não há como fazer poesia tangível. No voo palavra é vento transpassando
a pele. No chão palavra é vida possível. Vento sem frio. Mergulho
acolhido e quente. Amor não pode rimar com guerra, pois amor é sorte. Amor não
pode ser reticência em espera sem solo. Depois de tocar a pele
presente do outro, não há retrocesso possível. Depois de acessar o caminho
secreto, viver é flor que desabrocha sem tempo. É perfume que adoça a
alma e aumenta a fome. E eu tenho fome de vermelho. Vivo e vivido em
desejos de ondas de mar.
Eu rio a brincadeira bonita. Rio
da sorte de querer viver. Secretamente antes, agora num declarar de janelas.
Agora em vida de correr descalço, sentindo cada folha verde.
O tempo das esperas havia
terminado. Agora é deslize de apenas ser, nua, sem subterfúgios
poéticos de algum dia. Joguei fora minhas réguas que nunca soube usar
direito. Sempre foram pequenas para os meus desmedidos.
Estiquei palavra pra cobrir
javali. Dobrei lavei e quarei ao sol, e nenhuma frase podia salvar-me de mim.
Era nado em direção à correnteza mais forte de estar viva. Estava diante do
salto. Cachoeira colossal. Saltei. Corpo na correnteza. O tempo lavou meus
cadernos, molhou cada folha, desperdiçou os dias ainda não vividos e li: vá correr
sem medo.
Você nasceu agora, aqui de dentro de mim, e diante disso tudo tem música e sol.
Você nasceu agora, aqui de dentro de mim, e diante disso tudo tem música e sol.