Por Silvia Badim/Gaia
Desenho de Luisa Gunther
As unhas descascadas a lembravam da perecível natureza da vida.
Os tons avermelhados que embelezavam as unhas vaidosas, esvaiam-se em pedacinhos sem cor. O tempo era implacável. Todo o cuidado e esmero em polir e pintas as unhas, era sempre pouco. O tempo vinha, e apagava as marcas feitas nas pontas de seus dedos. Levava embora a coloração avermelhada em poucos dias, sempre sem avisar a hora da ruptura. Quando percebia, as cascas já haviam caído, mostrando-lhe o branco que roia as unhas.
Desejou, por um momento, que elas ficassem ali, sempre vermelhas, perenes, a acompanhar-lhe a trajetória. Desejou que tudo fosse eterno e colorido sem retoques de tempo. Mas o tempo vinha, com o imprevisível que corre na suas veias. Vinha e voltava, levava e trazia generosas doses de mudanças. Mudanças para as quais nem sempre estava pronta. Mudanças desavisadas.
Ela tentava agarrar-se no que sentia de vivo correr-lhe o peito - na doce ilusão de construir um castelo que não desmoronasse ao sabor dos anos. Doce ilusão de não sentir o abandono da intensidade a esvair-se na poeira dos dias.
Ela tentava agarrar-se no que sentia de vivo correr-lhe o peito - na doce ilusão de construir um castelo que não desmoronasse ao sabor dos anos. Doce ilusão de não sentir o abandono da intensidade a esvair-se na poeira dos dias.
Ventava. Ventos improváveis, ventos avassaladores - que dissipavam o que ela sabia certo. Que lhe balançavam o esqueleto, sem cessar diante do grito. Batiam portas e janelas, e a tristeza escondida soprava-lhe melodias aos ouvidos.
O vento era bruto.
Mais uma vez era preciso recomeçar. Retirar o esmalte e cuidar das unhas quebradas. Seguir adiante sem o pedaço que faltava – e que ela sabia que se regeneraria de outra forma. O novo sempre vinha. Novas cores apareciam, e as unhas cresciam. Mas nunca no mesmo tom de outrora. Nunca a mesma unha quebrada. E ela queria tudo. Queria guardar dentro de si todas as cores que não mais lhe coloriam os dedos. Tudo o que já foi e o que ainda será. Sem perder o tom.
O tempo era bruto.
Sentia-se menina tentando segurar a areia da praia nas mãos. Quanto mais segurava, mais a areia fina escapava pelos pequenos dedos. E ela nunca conseguia pegar os mesmos grãos. A areia da sua infância sempre escorria ligeira. E, desde seus primeiros anos, ela já sentia a areia correr passageira – impulsionada pelo vento incessante da maresia.
Areia que moldou toda a sua estrutura maleável, conduzida pelos anos. Podia senti-la quente ao fechar os olhos. Podia sentir a angústia de querer parar o tempo ali, naquela praia onde corria livre e solta. Onde derramou as suas primeiras lágrimas pelo que nunca mais é. Pelo amanhã inevitável que vinha lhe mandar crescer e calçar os sapatos. Pelo dia que amanhece sempre diferente do que já foi.
Areia que moldou toda a sua estrutura maleável, conduzida pelos anos. Podia senti-la quente ao fechar os olhos. Podia sentir a angústia de querer parar o tempo ali, naquela praia onde corria livre e solta. Onde derramou as suas primeiras lágrimas pelo que nunca mais é. Pelo amanhã inevitável que vinha lhe mandar crescer e calçar os sapatos. Pelo dia que amanhece sempre diferente do que já foi.
O tempo corria. As últimas mudanças de seus 33 anos choraram as mesmas lágrimas. A mesma dor de menina-mulher de unhas quebradas. O mesmo enterro simbólico do amanhã que já não é mais. As mesmas saudades sentidas a apertar-lhe as vísceras. O mesmo coração que se esconde emotivo pelos sentimentos que desgarra. O desapego forçado do tempo.
E as cascas continuavam a cair.
*texto publicado na 5ª Antologia do Beco dos Poetas. Poesias e Contos. 2010. p. 103-105.